Capítulo 5: O "Novo Testamento" — História ou Mito?

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Comentário ao Capítulo 5: "O "Novo Testamento" -- História ou Mito?" do livro A Bíblia -- Palavra de Deus ou de Homem?, publicado pela Sociedade Torre de Vigia em 1989.

Capítulo 5

O "Novo Testamento" -- História ou Mito?

"O Novo Testamento pode hoje ser descrito como o livro mais investigado da literatura mundial." Assim disse Hans Küng no seu livro "Sobre Ser Cristão". E ele tem razão. Durante os últimos 300 anos, as Escrituras Gregas Cristãs foram investigadas ao máximo. Foram mais cabalmente dissecadas e mais minuciosamente analisadas do que qualquer outra literatura.

AS CONCLUSÕES a que alguns investigadores chegaram são estranhas. Lá no século 19, Ludwig Noack, da Alemanha, concluiu que o Evangelho de João foi escrito em 60 EC pelo discípulo amado -- o qual, segundo Noack, era Judas! O francês Joseph Ernest Renan sugeriu que a ressurreição de Lázaro provavelmente foi uma fraude elaborada pelo próprio Lázaro, para dar apoio à afirmação de Jesus, de fazer milagres, ao passo que o teólogo alemão Gustav Volkmar insistiu em que o Jesus histórico de maneira alguma podia ter feito reivindicações messiânicas.1

2 Bruno Bauer, por outro lado, decidiu que Jesus nunca existiu! "Ele sustentou que as verdadeiras forças criativas no primitivo cristianismo eram Filo, Sêneca e os gnósticos. No fim, ele declarou que nunca houve um Jesus histórico ... que a gênese da religião cristã ocorreu em fins do segundo século e procedeu de um judaísmo no qual o estoicismo se tornara dominante."2

3 Hoje em dia, poucos sustentam tais idéias extremas. Mas, ao ler as obras de eruditos modernos, verificará que muitos ainda acreditam que as Escrituras Gregas Cristãs contêm lendas, mitos e exageros. Será que isso é verdade?

Que modo interessante de começar um capítulo. A Sociedade recorre ao ridículo. Repare na forma como eles usaram pontos de exclamação para fazer parecer que estão a tratar de ideias absurdas. Repare no uso das palavras 'bizarro' e 'extremo' na descrição desses pontos de vista. Porque é que precisam de usar essa abordagem depreciativa? Se as ideias dos investigadores são de facto bizarras, não se tornará isso evidente para o leitor? Porque é que recorrem a insultos nestes três parágrafos?

Note como é que se deve lidar com assuntos controversos, conforme demonstrado pelo professor Thomas H. Huxley, no seu ensaio "Agnosticism" [Agnosticismo]:

"Veja, para uma admirável discussão de todo este assunto, ... a notável monografia do Prof. Volkmar, "Jesus Nazarenus und die erste Christliche Zeit" [Jesus, o Nazareno, e a Primitiva Época Cristã] (1882). Quer concordemos com as conclusões destes escritores ou não, o método de investigação crítica que eles adoptaram é inatacável."

Gustav Volkmar é aqui mencionado e Huxley diz que talvez não concordemos com ele, mas ao menos devemos respeitar o modo como ele fez as suas investigações. Este é um modo muito mais respeitoso de lidar com tópicos controversos.

Quando Foram Escritas?

4 Mitos e lendas levam tempo para se desenvolver. Por isso é importante fazer a pergunta: Quando foram escritos esses livros? Michael Grant, historiador, diz que os escritos históricos das Escrituras Gregas Cristãs tiveram início "trinta ou quarenta anos após a morte de Jesus".4 O arqueólogo bíblico William Foxwell Albright citou C. C. Torrey como chegando à conclusão de "que todos os Evangelhos foram escritos antes de 70 A.D. e que não há neles nada que não pudesse ter sido escrito dentro de vinte anos após a Crucificação". A opinião do próprio Albright era que sua escrita foi completada "o mais tardar por volta de 80 A.D.". Outros apresentam cálculos um pouco diferentes, mas a maioria concorda que a escrita do "Novo Testamento" estava completa por volta do fim do primeiro século.

5 O que significa isso? Albright conclui: "Só podemos dizer que um período de vinte a cinqüenta anos é limitado demais para permitir qualquer corrupção substancial do conteúdo essencial e mesmo da fraseologia específica dos dizeres de Jesus."5 O Professor Gary Habermas acrescenta: "Os Evangelhos são de bem perto do período que registram, ao passo que as histórias antigas costumam descrever eventos que ocorreram séculos antes. Todavia, os atuais historiadores conseguem com bom êxito derivar os eventos mesmo de tais períodos antigos."6

6 Em outras palavras, as partes históricas das Escrituras Gregas Cristãs merecem pelo menos tanto crédito quanto as histórias seculares. Por certo, nas poucas décadas decorridas entre os acontecimentos do primitivo cristianismo e o tempo em que foram assentados por escrito, não houve tempo para se desenvolverem mitos e lendas, e para estes serem universalmente aceitos.

A primeira frase do parágrafo 6 não é verdadeira. Eles estão a tirar uma conclusão que não tem apoio na citação que mencionaram no parágrafo 5. Podemos argumentar que os evangelhos foram escritos suficientemente perto dos acontecimentos descritos para permitir uma comparação favorável com a tabela cronológica de outros relatos históricos seculares. Mas daqui não se pode concluir que as histórias dos evangelhos merecem tanta credibilidade como as histórias seculares. Se, por exemplo, as histórias seculares não mencionarem milagres, então são dignas de muito mais crédito.

Quanto à segunda frase do parágrafo 6, é uma afirmação sem fundamento. Houve tempo suficiente para que mitos e lendas se desenvolvessem em algumas décadas. Note que quando Jesus morreu, só existiam algumas dezenas de seguidores. Quando o seu líder morreu, eles tiveram de enfrentar a hostilidade da religião instituída e não sabiam o que fazer. A atitude melhor que eles podiam ter era dizer que o seu líder estava, de facto, bem vivo e tinha poder! Talvez os discípulos não estivessem a mentir conscientemente, pois podiam ter acreditado em tudo o que diziam, usando escrituras não relacionadas para fundamentar a sua ânsia em acreditar. Ao espalharem esta mensagem, completamente convencidos nas suas mentes, os mitos e lendas espalharam-se.

Lembre-se que naquele tempo não era fácil verificar estas coisas, como seria hoje, com os nossos meios de comunicação eficazes. Se os discípulos diziam que Jesus ressuscitou, que podia argumentar o contrário? A mentalidade supersticiosa deles aceitava esse tipo de coisas, portanto a ressurreição fazia sentido para eles. À medida que uma pessoa contava a história a outra, as lendas podiam ir crescendo. Este processo podia facilmente ter acontecido em apenas alguns anos.

Testemunho Ocular

7 Isto se dá especialmente em vista do fato de muitos dos relatos falarem à base de testemunho ocular. O escritor do Evangelho de João disse: "Este é o discípulo [o discípulo a quem Jesus amava] que dá testemunho destas coisas e que escreveu estas coisas." (João 21:24) O escritor do livro de Lucas diz: "[Os fatos] no-los transmitiram os que desde o princípio se tornaram testemunhas oculares e assistentes da mensagem." (Lucas 1:2) O apóstolo Paulo, falando daqueles que testemunharam a ressurreição de Jesus, disse: "A maioria [deles] permanece até o presente, mas alguns já adormeceram na morte." -- 1 Coríntios 15:6.

Afirmações sem qualquer valor, pois quem é que nos garante que esses indivíduos mencionados foram realmente testemunhas oculares? Eles dizem que foram, mas como é que nós podemos saber se estavam a dizer a verdade? Se eu estivesse a tentar estabelecer uma pequena religião que se depara com hostilidades, também diria que tinha testemunhas oculares! Mas se alguém for inteligente, pede provas, não se contenta com a minha palavra. No entanto, no caso de Paulo já não lhe podemos pedir provas, a única coisa que temos é a palavra dele. Lembre-se de que Paulo não era uma testemunha ocular, portanto tudo o que ele podia fazer era acreditar nas palavras daqueles que afirmavam ser testemunhas oculares.

8 Neste respeito, o Professor F. F. Bruce faz uma perspicaz observação: "De modo algum deve ter sido tão fácil, como alguns escritores parecem pensar, inventar palavras e atos de Jesus naqueles primeiros anos, quando ainda existiam tantos dos discípulos Dele, que podiam lembrar-se do que havia e do que não havia acontecido.... Os discípulos não podiam arriscar-se a cometer inexatidões (sem se falar em deliberadamente manipular os fatos), que seriam imediatamente expostas por aqueles que teriam muito prazer em fazer isso. Ao contrário, um dos pontos fortes da pregação apostólica original é o apelo confiante para o conhecimento dos ouvintes; eles não somente disseram: 'Somos testemunhas destas coisas', mas também: 'Conforme vós mesmos também sabeis' (Atos 2:22)."7

De facto, as palavras dos discípulos foram expostas por aqueles que se lhes opunham! Tem sido sempre assim em questões religiosas. Os que acreditam, sentem que têm os factos do seu lado. Os que não acreditam, apontam prontamente as contradições e falsidades, e os crentes ignoram alegremente isto. Temos exemplos disto na Bíblia, com os judeus a apresentarem explicações alternativas para estes acontecimentos. Os cristãos assumem que os judeus estavam apenas ciumentos, e assim ignoram essas acusações. No entanto, a citação do Professor Bruce ignora o facto de que os cristãos tiveram acusadores que apontaram discrepâncias nas suas histórias.

Ainda hoje, é muito fácil mostrar que existem contradições entre os vários relatos dos evangelhos. Portanto os discípulos foram, de facto, culpados de inexactidões, apesar do que o Prof. Bruce diz.

É o Texto Digno de Confiança?

9 Existe a possibilidade de que esses testemunhos oculares fossem registrados com exatidão, porém mais tarde corrompidos? Em outras palavras, introduziram-se mitos e lendas depois de se completar a escrita original? Já vimos que o texto das Escrituras Gregas Cristãs está em melhores condições do que qualquer outra literatura antiga. Kurt e Barbara Aland, peritos do texto grego da Bíblia, alistam quase 5.000 manuscritos que sobreviveram desde a antiguidade até agora, alguns deles já desde o segundo século EC.8 O testemunho geral desta grande quantidade de evidência é no sentido de que o texto é essencialmente correto. Além disso, há muitas traduções antigas -- as mais antigas sendo de cerca do ano 180 EC -- que ajudam a provar que o texto é exato.9

Portanto, sem quaisquer traduções ou manuscritos anteriores ao segundo século D.C., a Sociedade admite que o que temos hoje no Novo Testamento chegou até nós vindo de apóstatas. (Lembre-se que a apostasia começou no primeiro século e depois floresceu no segundo, portanto aqueles que compilaram e copiaram aquilo que lemos hoje foram apóstatas, segundo diz a Sociedade.)

Como é que sabemos o que pode ter acontecido a estes manuscritos nos cem ou duzentos anos desde que foram escritos até ao aparecimento dos manuscritos mais antigos hoje conhecidos?

Quando se descobriram os manuscritos do Mar Morto, estes foram aclamados por confirmarem a exactidão dos manuscritos da Bíblia, especialmente Isaías. Mas sabia o leitor que, quando se examinaram outros manuscritos, estes revelaram alterações substanciais? Descobriu-se que os manuscritos de Jeremias, por exemplo, têm texto que foi acrescentado e alterado. Investigue os rolos do Mar Morto e veja por si mesmo que se deturparam alguns manuscritos. Porque é que havemos de supor que o mesmo não aconteceu com o Novo Testamento, que estava confiado aos cuidados de 'apóstatas'?

10 Portanto, não importa como encaremos isso, podemos ter a certeza de que não se infiltraram lendas e mitos nas Escrituras Gregas Cristãs depois de os escritores originais terem terminado seu trabalho. O texto que temos é substancialmente o mesmo que os escritores originais registraram, e sua exatidão é confirmada pelo fato de que foi aceito pelos cristãos contemporâneos. Então, é possível verificarmos a historicidade da Bíblia por compará-la com outras histórias antigas? Até certo ponto, sim.

É claro que os cristãos contemporâneos aceitavam as suas próprias escrituras [duh!]. Afinal foram eles que as escreveram. Só um punhado de cristãos é que estava em condições de poder dizer que algo estava errado, pois só eles tinham sido testemunhas oculares. E a maioria do que Jesus disse e fez só podia ter sido verificado por 11 homens, portanto quando estes escreviam algo, o que é que um cristão contemporâneo podia dizer? Que não concordava? É claro que não.

Nesta secção do livro a Sociedade não apresentou quase nada relevante. Se quiséssemos argumentar que os cristãos primitivos inventaram a maior parte dos relatos dos evangelhos, não existe neste subtítulo praticamente nada que refute esse argumento.

A Evidência Documentária

11 De fato, no que se refere aos eventos na vida de Jesus e de seus apóstolos, a evidência documentária fora da Bíblia é bastante limitada. Isto é somente lógico, visto que, no primeiro século, os cristãos eram um grupo relativamente pequeno, que não se envolvia na política. Mas a evidência que a história secular de fato provê concorda com o que lemos na Bíblia.

12 Por exemplo, depois de Herodes Ântipas ter sofrido uma esmagadora derrota militar, o historiador judaico Josefo, escrevendo em 93 EC, disse: "A alguns dos judeus parecia que a destruição do exército de Herodes era vingança divina, e certamente uma vingança justa, pelo tratamento que dispensou a João, apelidado de Batista. Porque Herodes mandara matá-lo, embora fosse um homem bom e tivesse exortado os judeus e levar uma vida justa, a praticar a justiça para com o seu próximo e a piedade para com Deus."10 Josefo confirma assim o relato bíblico de que João, o Batizador, era homem justo, que pregava o arrependimento e foi executado por Herodes. -- Mateus 3:1-12; 14:11.

13 Josefo menciona também o meio-irmão de Jesus, Tiago, que, segundo nos diz a Bíblia, no começo não seguiu Jesus, mas depois tornou-se um ancião de destaque em Jerusalém. (João 7:3-5; Gálatas 1:18, 19) Ele documenta a prisão de Tiago com as seguintes palavras: "[O sumo sacerdote Ananus] convocou os juízes do Sinédrio e levou perante eles um homem chamado Tiago, irmão de Jesus, que era chamado o Cristo, e certos outros."11 Escrevendo estas palavras, Josefo confirma adicionalmente que "Jesus, que era chamado o Cristo", era uma pessoa histórica, real.

14 Outros dos antigos escritores também se referem a coisas mencionadas nas Escrituras Gregas. Por exemplo, os Evangelhos nos dizem que a pregação de Jesus na Palestina teve ampla aceitação. Quando ele foi sentenciado à morte, por Pôncio Pilatos, seus seguidores ficaram confusos e desanimados. Pouco depois, estes mesmos discípulos, destemidamente, encheram Jerusalém com a mensagem de que seu Senhor havia sido ressuscitado. Em poucos anos, o cristianismo se espalhou pelo Império Romano. -- Mateus 4:25; 26:31; 27:24-26; Atos 2:23, 24, 36; 5:28; 17:6.

15 Testemunho a respeito da veracidade disso é dado pelo historiador romano Tácito, que não era amigo do cristianismo. Escrevendo logo depois do ano 100 EC, ele fala sobre a perseguição cruel que Nero movera aos cristãos e acrescenta: "O autor deste seu nome foi Cristo, que no governo de Tibério foi condenado ao último suplício pelo procurador Pôncio Pilatos. A sua perniciosa superstição, que até ali tinha estado reprimida, já tornava de novo a grassar não só por toda a Judéia, origem deste mal, mas até dentro de Roma."12

16 Em Atos 18:2, o escritor bíblico se refere ao fato de que "[o imperador romano] Cláudio tinha ordenado que todos os judeus saíssem de Roma". Suetônio, historiador romano do segundo século, também menciona esta expulsão. Na sua obra O Deificado Cláudio, o historiador diz: "Visto que os judeus causavam constantemente distúrbios às instigações de Cresto, ele [Cláudio] os expulsou de Roma."13 Se o Cresto aqui mencionado se refere a Jesus Cristo, e se os eventos em Roma acompanhavam o que ocorria em outras cidades, então os distúrbios realmente não eram às instigações de Cristo (quer dizer, os seguidores de Cristo). Antes, eram a reação violenta dos judeus à fiel atividade de pregação dos cristãos.

17 Justino, o Mártir, em meados do segundo século, escreveu com referência à morte de Jesus: "Que estas coisas realmente aconteceram, podes averiguar dos Atos de Pôncio Pilatos."14 Além disso, segundo Justino, o Mártir, os mesmos registros mencionavam os milagres de Jesus, a respeito dos quais ele diz: "Que Ele fez essas coisas, podes saber dos Atos de Pôncio Pilatos."15 É verdade que esses "Atos", ou registros oficiais, não mais existem. Mas, eles evidentemente existiam no segundo século, e Justino, o Mártir, confiantemente desafiava seus leitores a verificá-los para confirmar a veracidade do que ele dizia.

Todo este subtítulo não prova nada além do facto de os evangelhos conterem alguns elementos históricos. Já ninguém nega isso, mas é irrelevante para o argumento em discussão. Se adicionarmos alguns detalhes estranhos a um relato histórico, e depois alguém investiga e verifica que os detalhes históricos são verdadeiros, não se pode concluir daí que os detalhes estranhos também são verdadeiros.

Se eu disser que em Los Angeles, em 1998, houve muita chuva devida aos padrões atmosféricos serem afectados pelo [fenómeno da natureza] El Niño, e também disser que Frank Sinatra foi ressuscitado dos mortos, será que estou a dizer a verdade? Se alguém vier 2.000 anos depois e disser: "A cidade de Los Angeles existiu mesmo, e temos registos que comprovam um ano de 1998 particularmente chuvoso, e existiu mesmo uma figura histórica chamada Sinatra, que morreu nesse ano", será que isto prova que eu estava certo ao dizer que Frank Sinatra foi ressuscitado dos mortos? É claro que não. Tudo o que fiz foi introduzir uma história fantasiosa num ambiente realista, para torná-la mais credível. Da mesma forma, o Novo Testamento pode ter sido estruturado exactamente desta forma, e até agora este capítulo do livro que estamos a comentar não fez absolutamente nada que refute essa ideia.

A Evidência Arqueológica

18 As descobertas arqueológicas também têm ilustrado e confirmado aquilo que lemos nas Escrituras Gregas. Assim, em 1961, o nome de Pôncio Pilatos foi encontrado numa inscrição nas ruínas dum teatro romano em Cesaréia.16 Até esta descoberta, havia apenas evidência limitada, à parte da própria Bíblia, da existência deste governante romano.

Então: antes de 1961 havia evidência bíblica e secular apoiando a existência de Pôncius Pilatus. Depois de 1961 passou a haver mais evidência secular, já não era evidência "limitada". O que é que isso prova?

19 No Evangelho de Lucas, lemos que João, o Batizador, iniciou seu ministério "quando ... Lisânias era governante distrital de Abilene". (Lucas 3:1) Alguns duvidaram desta declaração, por Josefo mencionar um Lisânias que governou Abilene e que morreu em 34 AEC, muito antes do nascimento de João. No entanto, os arqueólogos descobriram uma inscrição em Abilene que menciona outro Lisânias, que era tetrarca (governante distrital) durante o reinado de Tibério, que governou como César em Roma quando João iniciou seu ministério.17 Este facilmente pode ter sido o Lisânias mencionado por Lucas.

Pois pode, mas porque é que acham que isso é significativo? Já vimos que os escritores da Bíblia usaram alguns elementos reais, históricos, portanto não deviamos ficar surpreendidos pelo facto de Lucas se referir a um governante real.

20 Lemos em Atos que Paulo e Barnabé foram enviados para fazer uma obra missionária em Chipre e que ali encontraram um procônsul chamado Sérgio Paulo, "homem inteligente". (Atos 13:7) Em meados do século 19, em escavações feitas em Chipre, descobriu-se uma inscrição datando de 55 EC, a qual menciona este mesmo homem. Sobre isso diz o arqueólogo G. Ernest Wright: "Esta é a única referência que temos a este procônsul, fora da Bíblia, e é interessante que Lucas nos forneça seu nome e título corretos."18

O leitor que é Testemunhas de Jeová costuma manter registos detalhados quando prega de casa em casa? Se o faz, está a proceder como Lucas, mas isso não prova grande coisa.

21 Durante a estada de Paulo em Atenas, ele disse que havia observado um altar dedicado "A um Deus Desconhecido". (Atos 17:23) Em outras partes do território do Império Romano descobriram-se altares dedicados em latim a deuses anônimos. Um deles foi encontrado em Pérgamo, com uma inscrição em grego, como seria o caso em Atenas.

22 Mais tarde, enquanto Paulo estava em Éfeso, sofreu oposição violenta por parte dos prateiros, cujo rendimento provinha da fabricação de santuários e imagens da deusa Ártemis. Éfeso era chamada de "guardiã do templo da grande Ártemis". (Atos 19:35) Em harmonia com isso, descobriram-se diversas estatuetas de Ártemis, de terracota e de mármore, no lugar da antiga Éfeso. No último século, escavaram-se os restos do próprio enorme templo.

Este subtítulo é "A Evidência Arqueológica", mas a única coisa que a evidência apresentada pela Sociedade prova é que se usaram alguns factos reais [históricos] no Novo Testamento. Ora, isto não é contestado por ninguém actualmente. Como é que esse argumento prova que a Bíblia é a palavra de Deus? Seguindo esse raciocínio, então o Alcorão também é a palavra de Deus, pois também menciona lugares e pessoas que existiram mesmo. Pensando bem, porque não acreditar no Hamlet, de Shakespeare, como sendo verdadeiro e real? Note que a acção decorre num lugar real e num país que existe mesmo.

O Tom da Verdade

23 Portanto, a história e a arqueologia ilustram, e até certo ponto confirmam, os elementos históricos das Escrituras Gregas. Mas, novamente, a prova mais forte da veracidade destes escritos se encontra nos próprios livros. Sua leitura não dá a impressão de mitos. Eles têm o tom da verdade.

Isso é um apelo a factores subjectivos, pois para muitas pessoas grande parte do Novo Testamento dá a impressão de ser constituído por mitos.

24 Em primeiro lugar, são muito francos. Pense no que se registrou a respeito de Pedro. Pormenoriza-se seu embaraçoso fracasso quanto a andar sobre água. Depois, Jesus disse a este altamente respeitado apóstolo: "Para trás de mim, Satanás!" (Mateus 14:28-31; 16:23) Além disso, depois de protestar vigorosamente que, mesmo que todos os outros abandonassem Jesus, ele é que nunca faria isso, Pedro adormeceu na sua vigília noturna e então negou ao seu Senhor três vezes. -- Mateus 26:31-35, 37-45, 73-75.

25 Mas, Pedro não é o único cujas fraquezas foram expostas. O registro franco não encobre as discussões dos apóstolos quanto a quem seria o maior deles. (Mateus 18:1; Marcos 9:34; Lucas 22:24) Tampouco deixa de contar-nos que a mãe dos apóstolos Tiago e João pediu que Jesus desse aos seus filhos as posições mais favorecidas no seu Reino. (Mateus 20:20-23) O "forte acesso de ira" entre Barnabé e Paulo também é documentado fielmente. -- Atos 15:36-39.

26 Digno de nota também é o fato de que o livro de Lucas nos informa que foram "as mulheres, que tinham vindo com ele desde a Galiléia", que primeiro souberam da ressurreição de Jesus. Este é um pormenor bem incomum na sociedade dominada pelos homens, do primeiro século. De fato, segundo o registro, o que as mulheres disseram 'parecia tolice' aos apóstolos. (Lucas 23:55-24:11) Se a história das Escrituras Gregas não for verdade, então deve ter sido inventada. Mas, por que inventaria alguém uma história que retratasse personagens tão respeitados de forma nada lisonjeira? Tais pormenores só teriam sido incluídos se fossem verdade.

Não há dúvida que muitos dos detalhes que encontramos no Novo Testamento são verdadeiros, ou pelo menos originam-se de uma fonte verdadeira. Pessoas, locais e aconteciemntos são descritos de um modo que dá a impressão que Jesus existiu mesmo e que tinha discípulos e que os discípulos trabalharam com ele durante algum tempo.

Este subtítulo dá ênfase ao facto de vários personagens da Bíblia serem retratados numa luz desfavorável, e portanto a Bíblia tem o "tom da verdade". Quer isso dizer que a mulher de Macbeth é uma personagem verídica, já que os seus defeitos são mencionados? Na verdade, esta 'prova' não vale nada, pois qualquer escritor pode inventar personagens realísticas e a literatura de ficção está cheia de personagens com defeitos, realísticas. Já que estas personagens estão presentes em toda a ficção, como é que um retrato realista de cristãos primitivos prova que eles devem estar a dizer a verdade? Seguindo o mesmo raciocínio, também poderíamos dizer que eles têm 'o tom da boa ficção'.

Jesus -- Uma Pessoa Real

27 Muitos tem encarado Jesus, assim como ele é descrito na Bíblia, como ficção inventada. Mas o historiador Michael Grant observa: "Se aplicamos ao Novo Testamento, conforme devemos, o mesmo critério que devemos aplicar a outros escritos antigos que contêm matéria histórica, não podemos rejeitar a existência de Jesus assim como tampouco podemos rejeitar a existência duma multidão de personagens pagãos, cuja realidade como figuras históricas nunca é questionada."19

Parece que Jesus foi uma pessoa histórica real.

28 Não somente a existência de Jesus, mas também a sua personalidade se manifesta na Bíblia com um decidido tom de verdade. Não é fácil inventar um personagem incomum e depois apresentar um retrato coerente dele em todo um livro. É quase que impossível quatro escritores diferentes escreverem sobre um mesmo personagem e coerentemente apresentarem o mesmo quadro dele, se esse personagem realmente nunca existiu. O fato de que o Jesus descrito em todos os quatro Evangelhos é obviamente a mesma pessoa é evidência persuasiva da veracidade dos Evangelhos.

Bem, se eles estavam a descrever a mesma pessoa real, era de esperar que a descrição fosse consistente. É claro que cada evangelho tem um tom próprio e distinto dos outros, mas também se tomarmos todas as biografias de Charles Dickens, por exemplo, encontramos geralmente os mesmos factos, mas com diferentes estilos. O que é que isso prova? Nada além do facto de Dickens, tal como Jesus, ter existido.

29 Michael Grant cita uma pergunta bem apropriada: "Como é que, em todas as tradições evangélicas, sem exceção, surge um quadro de traços notavelmente firmes de um atraente jovem, que andava livremente no meio de todo tipo de mulheres, inclusive as decididamente mal-afamadas, sem qualquer traço de sentimentalismo, falta de naturalidade, ou melindre, e que, no entanto, em todo momento, mantinha uma integridade simples de caráter?"20 A única resposta é que tal homem realmente existiu e agiu assim como a Bíblia diz.

A Sociedade está a atacar um argumento que actualmente tem pouco peso. A maioria das pessoas não nega que Jesus existiu, portanto é tarefa fácil a Sociedade ganhar esse argumento. Por esta altura, o leitor decerto já se apercebeu que muitos dos argumentos que a Sociedade tenta refutar foram apresentados antes do século 20. Note como é frequente eles citarem um crítico qualquer do século 19 e depois tentam demolir o argumento dele.

Porque é que neste capítulo a Sociedade evita o criticismo moderno, actualizado? Por exemplo, que dizer das discrepâncias entre os vários relatos dos evangelhos a respeito da ressurreição?

Ou que dizer do modo como o próprio Jesus é inconsistente nos evangelhos? Por exemplo, em Mateus 5:22 ele diz: "...quem disser: "Tolo desprezível!" está sujeito à geena ardente." Mais adiante, em Mateus 23:17, ele diz aos fariseus: "Tolos e cegos!" Será que Jesus era uma excepção à regra que ele próprio estabeleceu? Em Mateus 5, ele não parece permitir excepções.

A Sociedade tenta solucionar esta situação no livro Estudo Perspicaz das Escrituras, ao dizer:

"Jesus Cristo chamou os escribas e os fariseus corretamente de "tolos e cegos", isto é, pessoas sem sabedoria e moralmente imprestáveis, pois haviam distorcido a verdade com tradições humanas e se tornado hipócritas. Ademais, Jesus respaldou a acertada descrição que fizera, ilustrando a falta de discernimento deles. (Mt 23:15-22 15:3) No entanto, quem comete o erro de chamar seu irmão de "tolo desprezível", ato que o julga e condena como moralmente imprestável, põe-se em perigo de ser lançado na Geena. -- Mt 5:22" (it, vol. 3, p. 725)

Isto é um acrescento ao texto de Mateus 5:22, pois apresenta uma desculpa para o comportamento de Jesus, dizendo ele chamou correctamente os fariseus de 'tolos', mas Mateus 5:22 só se refere a chamar 'erradamente' um irmão de 'tolo'. Note que a palavra grega utilizada para 'tolo' é a mesma em ambos os casos.

Existem muitos exemplos em que Jesus é apresentado de forma inconsistente nos evangelhos. Porque é que a Sociedade nem sequer tenta discutir esses exemplos, e prefere em vez disso atacar argumentos do século 19 que actualmente não têm grande peso?

O Motivo de Alguns Não Crerem

30 Visto que existe evidência irrefutável para se dizer que as Escrituras Gregas são história verdadeira, por que dizem alguns que não são? Por que é que muitos, embora aceitem partes delas como genuínas, não obstante recusam aceitar tudo o que elas contêm? Isto se dá principalmente porque a Bíblia registra coisas em que os modernos intelectuais não querem crer. Por exemplo, ela diz que Jesus tanto cumpriu como proferiu profecias. Diz também que ele realizou milagres e que, após a sua morte, foi ressuscitado.

31 Neste céptico século 20, coisas assim são incríveis. A respeito de milagres, o Professor Ezra P. Gould observa: "Há uma ressalva que alguns dos críticos se sentem justificados a fazer ... que milagres não acontecem."21 Alguns aceitam que Jesus tenha feito curas, mas apenas do tipo psicossomático, do 'domínio da mente sobre a matéria'. Quanto aos outros milagres, a maioria deles os rejeita, quer como invenções, quer como eventos reais que foram deturpados no relato.

Porque é que o Professor Gould pensa que estes críticos se sentem justificados ao pensarem que milagres não acontecem? A Sociedade não nos diz a versão que ele tem da história, deixando isto para a Testemunha de Jeová comum investigar. É claro que a maioria não se dá ao trabalho de fazer isso. O leitor sabe porque é que o Professor Gould disse aquilo?

32 Como exemplo, considere a ocasião em que Jesus alimentou uma multidão de mais de 5.000 com apenas alguns pães e dois peixes. (Mateus 14:14-22) O erudito Heinrich Paulus, do século 19, sugeriu que o que aconteceu mesmo foi o seguinte: Jesus e seus apóstolos se viram acompanhados por uma grande multidão que estava ficando com fome. De modo que ele decidiu dar um bom exemplo aos ricos presentes. Tomou o pouco alimento que ele e seus apóstolos tinham e compartilhou-o com a multidão. Logo, outros que trouxeram alimentos consigo seguiram o exemplo dele e compartilharam o que tinham. Por fim, a multidão inteira foi alimentada.22

33 Se isto foi o que realmente aconteceu, porém, então é uma notável prova do poder dum bom exemplo. Por que se deturparia uma história tão interessante e significativa para fazê-la parecer um milagre sobrenatural? De fato, todos esses esforços para explicar os milagres como não tendo sido algo miraculoso criam mais problemas do que solucionam. E baseiam-se em premissas falsas. Começam por presumir que milagres são impossíveis. Mas, por que se daria isso?

E a Sociedade começa por presumir que os milagres são possíveis, e a isto pode-se chamar uma falsa premissa.

Quanto à questão de saber porque é que se deturparia uma história tão interessante e significativa, a resposta é obvia. Os cristãos primitivos estavam sob ataque e precisavam de todas as 'munições' que conseguissem arranjar. Uma pessoa que dá um bom exemplo para outros seguirem é uma coisa boa, mas um fazedor de milagres é muito melhor!

34 De acordo com as normas mais razoáveis, tanto as Escrituras Hebraicas como as Gregas são história genuína, no entanto, ambas contêm exemplos de profecias e de milagres. (Veja 2 Reis 4:42-44.) Que dizer, então, se as profecias são mesmo genuínas? E que dizer se os milagres realmente aconteceram? Neste caso, Deus, de fato, estava por detrás da escrita da Bíblia, e ela realmente é a palavra dele, não a de homem. Num outro capítulo consideraremos a questão das profecias, mas, primeiro examinemos os milagres. É razoável, neste século 20, crer que milagres realmente aconteceram em séculos anteriores?

Até este ponto, tudo o que o capítulo conseguiu fazer foi demonstrar que Jesus provavelmente existiu e que alguns dos escritores do Novo Testamento o conheciam pessoalmente. Nada mais se provou.


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